Kariri-Xocó: etnozoneamento reivindicado pela comunidade ganhará ajuda da FPI do Rio São Francisco

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O etnozoneamento pleiteado pelos Kariri-Xocó vai além de dar à comunidade territórios pleiteados ao longo dos séculos. Trata-se do instrumento de planejamento participativo que visa categorizar áreas de relevância ambiental, sociocultural e produtiva para um povo indígena, funcionando como uma ferramenta importante para a implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), instituída pela União por meio do Decreto nº 7.747/2012.

Para Ivan Soares, antropólogo e coordenador da equipe de Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural da FPI, promover essa organização significa fazer um estudo detalhado da terra indígena, identificando áreas sagradas, de pesca, de caça e de outras riquezas naturais que podem ser exploradas de forma sustentável, para planejar o melhor uso do lugar. “Temos que entender que estamos diante de valores socioculturais protegidos constitucionalmente, que envolvem preservação, soluções e escolhas que dizem respeito somente à comunidade, e que precisam ser respeitados, tendo o mínimo da interferência externa, sob pena de incorrermos em uma afronta direta contra esse direito salvaguardado pela Carta Magna”, explicou ele.

200 famílias sem casas

Segundo Carlos Roberto Suíra, adjunto de pajé Pawanã dos Kariri-Xocó, a invasão provocada pelos posseiros ao longo dos anos foi tirando o espaço para que a própria comunidade, hoje com pouco mais de cinco mil pessoas, pudesse se expandir: “Foram nascendo os nossos descendentes que, por não poderem ocupar aquilo que lhes pertence por lei, precisaram se instalar na casa de familiares ou migrarem para a terra dos brancos, e isso nos enfraquece como povo indígena. A leitura territorial que tanto aguardamos será o reconhecimento de respeito às crenças, usos, costumes, línguas, tradições e especificidades dos Kariri-Xocó”, disse ele, acrescentando que cerca de 200 famílias ainda aguardam por casas próprias.

Desmatamento e reflorestamento

A comunidade também reclama que os posseiros desmataram boa parte do território que, importante frisar, teve 4.419 hectares demarcados definitivamente após processo de homologação assinado pela Presidência da República em 2023. Na ocasião, outros cinco territórios indígenas também tiveram seus direitos reconhecidos pelo Governo Federal.

Nesse processo já homologado, o território está situado entre os municípios de Porto Real do Colégio e São Brás, ambos na região do Agreste alagoano, abrangendo os biomas da Caatinga e da Mata Atlântica. E é justamente para preservar o que sobrou desses dois ecossistemas locais que os Kariri-Xocó querem urgência no registro da terra indígena, de modo que ela seja oficializada em cartório de imóveis e na Secretaria de Patrimônio da União. Só a partir daí é que pode ser iniciada a transferência de não índios.

Equipe 10 – Comunidades Tradicionais visitando Kariri-Xocó em Porto Real do Colégio – AL. Crédito Comunicação FPI AL

De acordo com o procurador da República Érico Gomes, o Ministério Público Federal (MPF) já atuou por meio do ajuizamento de 13 ações civis públicas contra posseiros que estão dentro da terra indígena: “Estamos buscando, por meio dessas ações, a recuperação ambiental e a demolição das construções. Queremos a recuperação das áreas degradadas e o fim de tudo aquilo que foi construído pelos posseiros de forma irregular. Quartorze deles são alvos desses processos. É preciso devolver aos Kariri-Xocó a sua dignidade, e esse resgate passa pela preservação das matas. Inclusive, é dentro delas que eles fazem os seus rituais sagrados”, comentou o procurador.

Os rituais

Reginaldo de Sousa, cacique da comunidade, esclarece que os rituais, por serem considerados sagrados, não podem ser ouvidos por não indígenas: “O toré envolve religiosidade, música, dança e tradição, e isso é um patrimônio do povo Kariri-Xocó. Já o ouricuri é o nosso ritual secreto e religioso realizado na mata. É por meio dele que temos acesso ao mundo espiritual, que nos conectamos com a ancestralidade e rompemos as barreiras entre passado, presente e futuro. Então, o barulho vindo de fora atrapalha, e as nossas cerimônias só estão sofrendo essa interferência porque os posseiros estão cada vez mais se aproximando e desmatando o território”, explicou o líder indígena.

“Precisamos, de forma urgente, colocar em prática essa desintrusão. Só assim poderemos ressignificar este espaço e decidir o que faremos com as casas e empreendimentos construídos pelos brancos”, completou o pajé.

Tratativas para agilizar o processo

Érico Gomes, que é coordenador da FPI, também se comprometeu em pedir agilidade aos órgãos responsáveis para que a terra seja logo registrada em cartório de imóveis, de maneira a ser iniciada a retirada de não índios daquele local.

A equipe de Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural é composta por representantes do Ministério Público Federal (MPF), Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh), Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade (ICMBio), Rede de Mulheres de Comunidades Tradicionais e Marinha do Brasil.

Os processos

Para quem tiver interesse em saber mais sobre as ações ajuizadas, elas estão protocoladas sob os números

0800971-57.2022.4.05.8001;
0800970-72.2022.4.05.8001;
0800923-98.2022.4.05.8001;
0800612-78.2020.4.05.8001;
0800621-40.2020.4.05.8001;
0800620-55.2020.4.05.8001;
0800618-85.2020.4.05.8001;
0800616-18.2020.4.05.8001;
0800615-33.2020.4.05.8001;
0800611-93.2020.4.05.8001;
0800609-26.2020.4.05.8001;
0800605-86.2020.4.05.8001;
0801076-34.2022.4.05.8001.

A FPI do Rio São Francisco

A FPI tem o objetivo de melhorar a qualidade ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e a qualidade de vida dos seus povos. Os trabalhos acontecem de modo contínuo e permanente. Para isso, realizam-se o diagnóstico dos danos ambientais e a adoção de providências administrativas, cíveis e criminais com a indução de políticas públicas.

Como programa, a FPI é estruturada em três fases: planejamento, campo e desdobramentos. A fase de desdobramento compreende o acompanhamento e monitoramento dos diagnósticos realizados e a atuação de repercussões de medidas administrativas pelos órgãos envolvidos, cíveis e/ou criminais e pelo Ministério Público competente.

Também é na fase de desdobramentos que o poder público e a sociedade civil organizada contribuem na regularização dos empreendimentos, reparação de danos detectados e efetivação das medidas de proteção necessárias.

Participam da 14ª etapa da Fiscalização Preventiva Integrada a Agência de Defesa e Inspeção Agropecuária de Alagoas (Adeal), Batalhão de Polícia Ambiental da Polícia Militar do Estado de Alagoas (BPA/PMAL), Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Francisco (CBHSF), Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Alagoas (Crea/AL), Conselho Regional de Medicina Veterinária de Alagoas (CRMV/AL), Conselho Regional dos Técnicos Industriais da 3ª Região (CRT-3)Instituto Hori, Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL)Instituto Para Preservação da Mata Atlântica (IPMA)Marinha do BrasilMinistério Público do Estado de Alagoas (MPE)Ministério Público Federal em Alagoas (MPF)Ministério Público do Trabalho em Alagoas (MPT)Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Rede Mulheres de Comunidades Tradicionais (RMCT)Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH)Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (SEMUDH)Secretaria de Estado da Saúde (Sesau)SOS CaatingaTribunal de Contas do Estado de Alagoas (TCE/AL), Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas (TRE/AL) e Universidade Estadual de Alagoas (Uneal).

A FPI do Rio São Francisco em Alagoas é coordenada pelo CBHSF, MPAL, MPF e BPA/PMAL, que desenvolvem os trabalhos de inteligência, organização e divulgação das atividades e resultados para a população.

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