Religiosos sofrem com obstrução irregular de via de acesso e degradação ambiental no entorno do terreiro de jurema sagrada
A força-tarefa de proteção às Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural da Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) do Rio São Francisco realizou uma visita à Fazendinha de Zé da Pinga, em Arapiraca/AL, o maior núcleo de jurema sagrada do Brasil. Nessa incursão, a equipe constatou uma série de violações aos direitos fundamentais dessa comunidade de terreiro, que enfrenta intolerância religiosa, perseguição e violação ao seu direito de ir e vir.
O principal problema identificado foi a obstrução de uma via de acesso lateral por um sitiante vizinho ao terreiro, impedindo o deslocamento dos membros da comunidade por uma rota historicamente utilizada pelos religiosos, em paralelo à antiga estrada da Rede Ferroviária Federal.
Além disso, segundo relatos de Pai Alex, líder espiritual do local, o uso de tambores também tem sido alvo de denúncias às autoridades policiais, numa clara tentativa de coibir a prática juremeira.
A jurema sagrada, também conhecida como catimbó, é uma tradição ancestral que remonta aos indígenas do Nordeste brasileiro, abraçando elementos do catolicismo popular, das religiões de matriz africana e até de ciganos e judeus praticantes da cabala. Seus rituais são marcados pela fumaça dos cachimbos, o respeito às ervas sagradas e os cânticos que reverenciam os encantados.
A visita, coordenada pelo Ministério Público Federal (MPF) por meio da equipe 10 de Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural, contou com a participação de técnicos da Fundação Cultural Palmares (FCP), da Secretaria do Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Alagoas (Semarh), da Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh), do Instituto do Meio Ambiente (IMA) e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
No local, foram encontradas diversas casas destinadas aos cultos aos encantados, além de uma casa de farinha com instrumentos datados possivelmente do final do século XIX, com cerca de 130 anos de idade.
Para o procurador da República Eliabe Soares, titular do Ofício de Comunidades Tradicionais, é preocupante que em pleno século XXI uma comunidade de terreiro passe por perseguição religiosa estando localizada tão próxima a um centro urbano. “Vimos aqui relatos de intolerância religiosa que são inaceitáveis. Não é possível que qualquer pessoa ou autoridade ameace a prática religiosa, isso é racismo estrutural. A estrutura de estado não pode ser usada para perseguir minorias”.
Érico Gomes, procurador da República membro do núcleo de meio ambiente do MPF em Alagoas, que também acompanhou a visita, demonstrou preocupação com o forte odor de pocilgas que chega até o terreiro e que, segundo os religiosos, é intenso e permanente. “Vamos apurar a criação de animais neste entorno. Aqui perto há, certamente, uma pocilga, o que é irregular pela agressão ao meio ambiente e aos próprios animais. É necessária a intervenção do poder público para que os religiosos possam continuar cultuando e preservando a natureza”.
Pai Alex, líder espiritual da comunidade, expressou sua gratidão pela visita da FPI, considerando-a histórica. “Foram mais de 300 anos de perseguição, que infelizmente não cessaram. Em Alagoas, este momento é ainda mais significativo devido à memória da Quebra do Xangô em 1912, mas estamos aqui como resistência, lutando para que essa geração e as próximas não vivam no medo”, concluiu.
Proteção constitucional
A Constituição Federal do Brasil prevê princípios que garantem a proteção da diversidade cultural e religiosa, promovendo o respeito mútuo, a igualdade de direitos e a preservação das tradições e expressões culturais das diferentes comunidades que compõem o país.
O MPF defende as comunidades de terreiro no Brasil por diversos motivos, principalmente ligados à garantia dos direitos fundamentais e à promoção da igualdade e da diversidade religiosa. Aqui estão algumas razões principais:
- Direitos Humanos e Constitucionais: As comunidades de terreiro têm o direito constitucional à liberdade de religião e à prática de seus rituais tradicionais. O MPF atua para assegurar que esses direitos sejam respeitados e protegidos, combatendo qualquer forma de discriminação ou intolerância religiosa;
- Preservação Cultural e Patrimonial: As práticas religiosas afro-brasileiras, como a jurema sagrada, são parte importante do patrimônio cultural do Brasil. O MPF tem o papel de proteger e promover essa diversidade cultural, garantindo que as comunidades de terreiro possam preservar suas tradições e expressões culturais sem impedimentos;
- Combate ao Racismo e Intolerância Religiosa: Muitas vezes, a perseguição às comunidades de terreiro está enraizada em preconceitos raciais e religiosos. O MPF trabalha para combater o racismo estrutural e a intolerância religiosa, buscando garantir a igualdade de direitos e oportunidades para todas as pessoas, independentemente de sua religião ou origem étnica;
- Acesso à Justiça e Proteção Legal: As comunidades de terreiro, historicamente marginalizadas e discriminadas, muitas vezes enfrentam obstáculos para acessar o sistema de justiça e fazer valer seus direitos. O MPF atua como um defensor dessas comunidades, oferecendo suporte legal e representação para garantir que sejam tratadas com justiça e equidade perante a lei.
Assim, o MPF defende as comunidades de terreiro no Brasil como parte de seu compromisso constitucional com a promoção dos direitos humanos, da igualdade e da diversidade cultural e religiosa, buscando garantir que todas as pessoas possam viver livremente suas crenças e práticas religiosas sem discriminação ou perseguição.
A FPI do Rio São Francisco
A Fiscalização Preventiva Integrada da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (FPI do Rio São Francisco) iniciou a sua 13ª etapa de ações em defesa do Velho Chico e da população ribeirinha localizada no Estado de Alagoas. Seu objetivo é melhorar a qualidade ambiental da Bacia do Rio São Francisco e a qualidade de vida dos seus povos. Os trabalhos acontecem de forma contínua e permanente. Para isso, realizam-se o diagnóstico dos danos ambientais e a adoção de providências administrativas, cíveis e criminais com a indução de políticas públicas.
FPI em Alagoas
Ao todo, 28 instituições/órgãos públicos e entidades da sociedade civil organizada compõem a FPI do Rio São Francisco em Alagoas. Eles são divididos em 13 grupos conforme a finalidade da fiscalização. Trata-se das equipes 1) Extração Mineral e Resíduos Sólidos; 2) Produtos de Origem Animal; 3) Recursos Hídricos; 4) Aquática (Pesca Predatória e Segurança no Transporte Aquaviário); 5) Produtos Perigosos; 6) Fauna; 7) Centros de Saúde; 8) Flora; 9) Educação Ambiental; 10) Comunidades Tradicionais; 11) Gestão Ambiental; 12) Segurança de Barragens; e 13) Projeto Sede de Aprender.
A FPI do Rio São Francisco em Alagoas é coordenada pelo CBHSF, MPE, MPF e BPA/PMAL, que desenvolvem os trabalhos de inteligência, organização e divulgação das atividades e resultados para a população.
Participam da FPI AL: a Agência de Defesa e Inspeção Agropecuária de Alagoas (Adeal), Agência Nacional de Mineração (ANM), Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas (Arsal), Batalhão de Policiamento Ambiental da Polícia Militar do Estado de Alagoas (BPA/PMAL), Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Francisco (CBHSF), Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Alagoas (Crea/AL), Conselho Regional de Medicina Veterinária de Alagoas (CRMV/AL), Conselho Regional dos Técnicos Industriais da 3ª Região (CRT-3), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Fundação Cultural Palmares, Instituto Hori, Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL), Instituto Para Preservação da Mata Atlântica (IPMA), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Marinha do Brasil, Ministério Público do Estado de Alagoas (MPE), Ministério Público Federal em Alagoas (MPF), Ministério Público do Trabalho em Alagoas (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Alagoas (OAB/AL), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Secretaria do Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Alagoas (SEMARH), Secretária de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (SEMUDH), Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), SOS Caatinga, Tribunal de Contas do Estado de Alagoas (TCE/AL) e Universidade Estadual de Alagoas (Uneal).
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