Além de irregularidades ambientais, foram constatadas ilegalidades trabalhistas na prestação de serviço de funcionários contratados temporariamente
Bom Jesus da Lapa/BA – Um caminhão de coleta de lixo carrega na identidade visual o lema “Cidade limpa: direito e dever de todos” no momento em que despeja mais resíduos sólidos no lixão a céu aberto localizado à beira da rodovia BA-160. Seria só mais um descarte irregular corriqueiro feito por carro oficial da Prefeitura de Bom Jesus da Lapa, se não fosse a presença da equipe de Saneamento I da Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco no local. Tratava-se de um flagrante dano ambiental.

O local é conhecido como “lixão de Bom Jesus da Lapa” e acumula em seu solo resíduos sólidos diversos, que vão de material orgânico, como restos de alimentos, a materiais passíveis de reciclagem, como sacolas plásticas e garrafas pets. A queimada dos resíduos espalhava fumaça no trajeto de cerca de 500 metros entre a margem da rodovia e o ponto de maior acúmulo do conteúdo descartado. Muitas moscas sobrevoavam o lixão e pousavam em qualquer superfície que conseguiam tocar, inclusive a pele de quem se encontrava ali.
O cenário que a FPI do Rio São Francisco constatou afronta a legislação vigente. Desde 2010, a Lei Federal nº 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, tornou obrigatória a destinação adequada dos rejeitos.
“Cabe aos prestadores de serviço público e da iniciativa privada realizarem o descarte dos resíduos em aterro sanitário ou centros de tratamento de resíduos sólidos, o que implicaria a extinção dos lixões. Bom Jesus da Lapa não só possui lixão, como também dispõe de aterro sanitário em seu território, mas escolhe pelo descarte no primeiro”, disse o engenheiro sanitarista e coordenador da equipe de Saneamento 1, Zúri Bao.
“O aterro sanitário permite que o tratamento dos resíduos sólidos proteja o solo e os lençóis freáticos, controlando o chorume e reduzindo o impacto que o conteúdo descartado pelas pessoas acarreta no meio ambiente. Para além disso, no aterro apenas devem ser destinados rejeitos, aqueles resíduos que não podem ser reaproveitados, e, para isso, é essencial realizar a coleta seletiva e apoiar as cooperativas. Um lixão gera impactos severos a saúde da população e ao ambiente. Inclusive essa área é bastante próxima de comunidades quilombolas que estão sendo muito afetadas”, explicou a promotora de Justiça de Bom Jesus da Lapa, Luciana Khoury, que também coordena da FPI do Rio São Francisco na Bahia.
O Ministério Público do Estado da Bahia adotará medidas a partir dos relatórios técnicos para que seja cessado esse dano ambiental e devidamente reparado.
Trabalhador sem limite de jornada
A equipe de Saneamento I conta com representantes da Agência Reguladora de Saneamento Básico da Bahia (AGERSA) Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA), Conselho Regional de Química (CRQ), Diretoria de Vigilância Sanitária e da Saúde Ambiental da Secretaria de Estadual de Saúde da Bahia (Divisa-SESAB), Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) e Ministério Público do Trabalho (MPT).

Durante o flagrante de descarte irregular de resíduos sólidos, também foram flagradas ilegalidades trabalhistas relacionadas a prestação de serviços de funcionário temporários contratados pela Prefeitura de Bom Jesus da Lapa.
Segundo o que constatou a analista jurídica do MPT, Mônica Prazeres, os trabalhadores da coleta de resíduos trabalhavam sem qualquer equipamento de proteção individual. Um deles recolheu do próprio lixão a camisa que usava no trabalho. Do local de despejo de resíduos sólidos, há relato de que a prestação de serviço ocorria sem acesso à alimentação e água potável.
“Encontramos trabalhadores sem o fardamento, sem identificação. Fomos informados que são 207 trabalhadores que atuam na área de resíduos sólidos. Destes, 58 são concursados e 149 são contratados temporariamente. No entanto, esse contrato temporário já perdura por muitos anos. A jornada laboral desses trabalhadores contratados em situação precária não tem uma jornada laboral limitada. Eles começam por volta de seis e meia, sete horas da manhã e só terminam quando acaba a coleta, o que pode ocorrer duas da tarde, três da tarde. Já chegaram a terminar o expediente seis ou oito horas da noite, sem o intervalo intrajornada, que é o intervalo para repouso”, relatou a representante do MPT.
As informações coletadas por Prazeres subsidiarão o inquérito civil público em curso na Procuradoria do Trabalho no Município de Barreiras. O procedimento investiga uma denúncia relativa a irregularidades trabalhistas na coleta e na destinação final de resíduos sólidos no município de Bom Jesus da Lapa.
A FPI do Rio São Francisco
Criada em 2002, a FPI do Rio São Francisco na Bahia é um programa coordenado pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA-BA), pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
Multidisciplinar, a iniciativa tem como objetivos: melhorar a qualidade de vidas das comunidades da bacia e dos seus recursos hídricos; combater o desmatamento, a captação irregular de água, os impactos dos agrotóxicos, a extração irregular de minérios, o comércio ilegal de animais silvestres, a pesca predatória, além de atuar no gerenciamento de resíduos sólidos. Outra frente é a da preservação do patrimônio arquitetônico, cultural e imaterial da bacia.
Inicialmente realizada na Bahia, a FPI do São Francisco foi expandida para os estados de Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Minas Gerais. Em 2024, o programa foi o grande vencedor do Prêmio Innovare 2024 na categoria Ministério Público, a maior honraria concedida ao Sistema de Justiça brasileiro. Em 2020, a FPI do Rio São Francisco já havia sido premiado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) como o maior indutor de políticas públicas.
Composição da 51ª FPI da Bahia
Compõem a 51ª edição da FPI do Rio São Francisco na Bahia a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB); Agência Peixe Vivo (APV); Assessoria e Gestão em Estudos da Natureza, Desenvolvimento Humano e Agroecologia (AGENDHA); Agência Reguladora de Saneamento Básico do Estado da Bahia (AGERSA); Animallia Ong Ambiental; Agência Nacional de Mineração (ANM); Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF); Corpo de Bombeiros Militar (CBM-BA); Companhia de Engenharia Hídrica e de Saneamento da Bahia (CERB); Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental (CIPPA); Conselho Federal dos Técnicos Industriais; Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA-BA); Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Bahia (CRMV-BA); Conselho Regional de Química 7ª Região – Bahia (CRQ); Conselho Regional dos Técnicos Industriais da Bahia (CRT-BA); Diretoria de Vigilância Sanitária e Saúde Ambiental (DIVISA-SESAB); Fundação José Silveira (FJS); Fórum Baiano de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos e pela Agroecologia (FBCA); Fundação Nacional de Saúde (FUNASA-MS); Grupo de Defesa e Promoção Socioambiental (GERMEN); Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA); Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA); Instituto HORI; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN); Marinha do Brasil; Ministério da Saúde (MS); Ministério do Meio Ambiente (MMA); Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA); Ministério Público Federal (MPF); Ministério Público do Trabalho (MPT); Polícia Civil do Estado da Bahia (PC); Polícia Federal (PF); Polícia Militar do Estado da Bahia (PMBA); Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura (SEAGRI); Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia (SEFAZ); Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Governo do Estado da Bahia (SEPROMI); Secretaria da Saúde (SESAB); Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (Bahiater/SDR); Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento da Bahia (SIHS); Sindicato dos Técnicos Industriais de Nível Médio do Estado da Bahia (SINTEC-BA); Secretaria da Segurança Pública (SSP); Superintendência de Desenvolvimento Agrário – Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDA-SDR); Superintendência de Proteção e Defesa Civil (SUDEC); Universidade Estadual da Bahia – Departamento dos Povos Indígenas, Comunidades Tradicionais e Camponesas (UNEB/DCT/OPARÁ); Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).