Às margens do Rio São Francisco, na comunidade quilombola Pixaim, em Piaçabuçu (AL), a luta pela sobrevivência ecoa há mais de 200 anos. Isolados entre dunas móveis, o Rio e o mar que hoje traz mais sal que sustento, os moradores receberam a visita da Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) do Rio São Francisco neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. O encontro buscou compreender as dificuldades enfrentadas pela última comunidade ribeirinha antes do Velho Chico encontrar o mar e reforçar o compromisso com a preservação de sua história e seus direitos.
Os anciãos contam que os primeiros negros na região chegaram após sobreviverem ao naufrágio de um navio negreiro, ainda no século XVIII. Assim, Pixaim simboliza resistência frente às adversidades sociais, ambientais e estruturais. Hoje, abrigando cerca de 46 famílias, a comunidade sofre com a salinização das águas do São Francisco, limitações de acesso e infraestrutura precária. Ainda que a chegada da eletricidade, há dois anos, tenha representado um avanço, o cotidiano dos moradores segue marcado pela ausência de serviços essenciais, como saúde, educação e abastecimento de água potável.
Durante a visita, integrantes da equipe de Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural da FPI, composta por representantes do Ministério Público Federal (MPF), Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh), Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade (ICMBio), Rede de Mulheres de Comunidades Tradicionais e Marinha do Brasil dialogaram com os moradores para entender suas demandas. Entre as dificuldades destacadas estão:
● Água: o abastecimento depende de cacimbas artesanais, que no verão apresentam água salinizada e imprópria para o consumo;
● Educação: o transporte escolar é feito em embarcações pequenas e sem cobertura, expondo as crianças a riscos;
● Saúde: o atendimento médico ocorre apenas uma vez por mês, na localidade;
● Infraestrutura: a falta de banheiros e fossas adequadas, bem como a proibição de construções de alvenaria pelo ICMBio, agrava as condições de moradia.
● Isolamento: a comunidade depende exclusivamente do rio e da maré para se locomover.
A salinização do rio também impacta diretamente a economia local, inviabilizando o cultivo de arroz e comprometendo a pesca, principal atividade de subsistência. Adicionalmente, a dinâmica das dunas da região força os moradores a migrarem dentro da própria comunidade, reconstruindo suas casas em locais menos afetados pelas condições naturais.
O coordenador da equipe, Ivan Farias, antropólogo do MPF, destacou que é inesquecível o relato dos antigos de que “Os morros de areia são vivos. Eles nascem, crescem e morrem. Precisamos observar a natureza para decidir onde construir”. Destacando que são as comunidades tradicionais os principais defensores e protetores do meio ambiente.
O superintendente de direitos dos Povos Originários da Semudh, Maynamy Santana, destacou a urgência de ações integradas: “Parece que há um esforço coletivo e deliberado para tornar essa comunidade insustentável, privando-a de direitos básicos e desestimulando sua permanência”.
O encontro foi uma das ações alusivas ao Dia da Consciência Negra realizadas pela FPI. “Pixaim representa a resistência das comunidades quilombolas, mas também evidencia como as políticas públicas precisam ser efetivas para garantir a dignidade dessa população”, pontuou o procurador da República Eliabe Soares.
A FPI se comprometeu a buscar alternativas para superar os desafios enfrentados pela comunidade e a fortalecer o diálogo com os órgãos públicos envolvidos, reafirmando a importância de preservar as tradições e a história das comunidades quilombolas como parte do patrimônio cultural do Brasil.
A FPI do Rio São Francisco
A FPI tem o objetivo de melhorar a qualidade ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e a qualidade de vida dos seus povos. Os trabalhos acontecem de modo contínuo e permanente. Para isso, realizam-se o diagnóstico dos danos ambientais e a adoção de providências administrativas, cíveis e criminais com a indução de políticas públicas.
Como programa, a FPI é estruturada em três fases: planejamento, execução e desdobramentos. A fase de desdobramento compreende o acompanhamento e monitoramento dos diagnósticos realizados e a atuação de repercussões de medidas administrativas pelos órgãos envolvidos, cíveis e/ou criminais e pelo Ministério Público competente.
Também é na fase de desdobramentos que o poder público e a sociedade civil organizada contribuem na regularização dos empreendimentos, reparação de danos detectados e efetivação das medidas de proteção necessárias.
Participam da 14ª etapa da Fiscalização Preventiva Integrada a Agência de Defesa e Inspeção Agropecuária de Alagoas (Adeal), Batalhão de Polícia Ambiental da Polícia Militar do Estado de Alagoas (BPA/PMAL), Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Francisco (CBHSF), Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Alagoas (Crea/AL), Conselho Regional de Medicina Veterinária de Alagoas (CRMV/AL), Conselho Regional dos Técnicos Industriais da 3ª Região (CRT-3), Instituto Hori, Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL), Instituto Para Preservação da Mata Atlântica (IPMA), Marinha do Brasil, Ministério Público do Estado de Alagoas (MPE), Ministério Público Federal em Alagoas (MPF), Ministério Público do Trabalho em Alagoas (MPT), Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Rede Mulheres de Comunidades Tradicionais (RMCT), Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH), Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (SEMUDH), Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), SOS Caatinga, Tribunal de Contas do Estado de Alagoas (TCE/AL), Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas (TRE/AL) e Universidade Estadual de Alagoas (Uneal).
A FPI do Rio São Francisco em Alagoas é coordenada pelo CBHSF, MPE, MPF e BPA/PMAL, que desenvolvem os trabalhos de inteligência, organização e divulgação das atividades e resultados para a população.
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