Na última segunda-feira, dia 18, a Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) do Rio São Francisco esteve nas comunidades quilombolas de Oiteiro e Tabuleiro dos Negros, em Penedo, no Baixo São Francisco. O objetivo foi ouvir, compreender e buscar meios de promover políticas públicas para essas comunidades, que lutam para preservar suas tradições e garantir condições dignas de vida. A missão da FPI vai além da proteção ambiental: é um compromisso com a justiça social e a valorização de culturas que formam a identidade brasileira.
As visitas foram guiadas pela equipe Comunidades Tradicionais e Patrimônio Cultural, formada por profissionais comprometidos com a proteção dos direitos das comunidades. Coordenada pelo Ministério Público Federal (MPF) em Alagoas, por meio do antropólogo Ivan Farias, a equipe contou, nestas visitas, com o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA), a Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (Semudh), a Polícia Federal e a Rede de Mulheres de Comunidades Tradicionais, que organizou o diálogo com os remanescentes de quilombolas.
O procurador da República Eliabe Soares, que atua na defesa dos povos indígenas e comunidades tradicionais, reforçou o papel do MPF como aliado nessa luta: “Estamos aqui para ouvir vocês, entender suas histórias e, juntos, buscar soluções que respeitem sua cultura e garantam seus direitos. É nosso dever trabalhar para que políticas públicas não fiquem apenas no papel, mas se transformem em uma vida melhor para cada um”.
Relatos das comunidades
Na Comunidade Oiteiro, onde vivem cerca de 700 pessoas num território cada vez mais cercado pelo crescimento urbano, os desafios são intensos. O atendimento médico, de enfermagem e odontológico ocorre apenas uma vez por semana. A água captada do Rio São Francisco é uma constante preocupação: no inverno, fica barrenta, gerando dúvidas sobre sua segurança para consumo.
Embora a coleta de esgoto seja cobrada, o saneamento básico não existe. Os moradores relataram que, desde que a empresa Águas do Sertão assumiu o abastecimento de água, substituindo a SAAE, as taxas de serviço aumentaram significativamente, sem que as prometidas obras de esgoto e saneamento fossem realizadas. Ou seja, o serviço se tornou mais caro e ainda pior em termos de qualidade.
Cerca de 50 casas ainda são de taipa, e o descarte irregular de lixo e as queimadas ameaçam a qualidade de vida. No entanto, a comunidade se mantém resiliente, com artesãos que transformam madeira e materiais recicláveis em arte, e agricultores que cultivam macaxeira, milho, feijão e frutas que nutrem o solo e a alma do Oiteiro.
Em Tabuleiro dos Negros, com mais de 2 mil moradores espalhados por 465 famílias em uma área rural cercada por canaviais, a luta pela dignidade é constante. O posto de saúde local atende a seis povoados da região, mas não recebe assistência do município. Para chegar à pista asfaltada, os moradores precisam percorrer cerca de 8 km de estrada de barro, que se torna impraticável durante as chuvas, tornando emergências ainda mais desafiadoras.
As famílias também compartilham um pequeno cemitério com a comunidade quilombola Sapé, em Igreja Nova, mas sem qualquer regularidade, manutenção ou vigilância sanitária por parte das prefeituras. Os moradores buscam a ampliação da área do cemitério, mas as deficiências vão além.
Ivan Farias destacou a necessidade de um estudo sobre o valor histórico do cemitério. “Durante a inspeção, encontramos uma lápide datada de 1878, ainda do período escravista, o que reforça a relevância cultural deste território. Penedo é uma cidade muito antiga, e tudo indica que o Quilombo Tabuleiro dos Negros remonta a essa época. No nosso relatório, vamos recomendar ao IPHAN que inicie um estudo de patrimonialização, para que o valor histórico dessas comunidades seja reconhecido e protegido. É fundamental preservar esses vestígios, que contam a história e a resistência do povo quilombola, além de manter viva a memória coletiva do nosso estado e do país”, revelou.
O procurador da República Érico Gomes, um dos coordenadores da FPI no Estado, destacou a situação alarmante do cemitério. “É doloroso ver que as famílias não têm um lugar digno para enterrar seus entes queridos. Precisamos que os municípios assumam essa responsabilidade e que a gestão do cemitério seja feita com cuidado, respeitando as famílias e o meio ambiente, especialmente por sua proximidade a importantes cursos d’água”, enfatizou.
Essas visitas são um passo importante na jornada da FPI do Rio São Francisco, que busca proteger não apenas o meio ambiente, mas também as comunidades que dele dependem. O trabalho da FPI é garantir que as vozes quilombolas sejam ouvidas e que soluções respeitem sua história, seus saberes e a dignidade de sua gente.
A FPI do Rio São Francisco
A FPI tem o objetivo de melhorar a qualidade ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e a qualidade de vida dos seus povos. Os trabalhos acontecem de modo contínuo e permanente. Para isso, realizam-se o diagnóstico dos danos ambientais e a adoção de providências administrativas, cíveis e criminais com a indução de políticas públicas.
Como programa, a FPI é estruturada em três fases: planejamento, execução e desdobramentos. A fase de desdobramento compreende o acompanhamento e monitoramento dos diagnósticos realizados e a atuação de repercussões de medidas administrativas pelos órgãos envolvidos, cíveis e/ou criminais e pelo Ministério Público competente.
Também é na fase de desdobramentos que o poder público e a sociedade civil organizada contribuem na regularização dos empreendimentos, reparação de danos detectados e efetivação das medidas de proteção necessárias.
Participam da 14ª etapa da Fiscalização Preventiva Integrada a Agência de Defesa e Inspeção Agropecuária de Alagoas (Adeal), Batalhão de Polícia Ambiental da Polícia Militar do Estado de Alagoas (BPA/PMAL), Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Francisco (CBHSF), Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Alagoas (Crea/AL), Conselho Regional de Medicina Veterinária de Alagoas (CRMV/AL), Conselho Regional dos Técnicos Industriais da 3ª Região (CRT-3), Instituto Hori, Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL), Instituto Para Preservação da Mata Atlântica (IPMA), Marinha do Brasil, Ministério Público do Estado de Alagoas (MPE), Ministério Público Federal em Alagoas (MPF), Ministério Público do Trabalho em Alagoas (MPT), Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Rede Mulheres de Comunidades Tradicionais (RMCT), Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMARH), Secretaria de Estado da Mulher e dos Direitos Humanos (SEMUDH), Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), SOS Caatinga, Tribunal de Contas do Estado de Alagoas (TCE/AL), Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas (TRE/AL) e Universidade Estadual de Alagoas (Uneal).
A FPI do Rio São Francisco em Alagoas é coordenada pelo CBHSF, MPE, MPF e BPA/PMAL, que desenvolvem os trabalhos de inteligência, organização e divulgação das atividades e resultados para a população.
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