Equipe Rural 1 também flagrou irregularidades na captação de água, manuseio de agrotóxicos, supressão vegetal em área de reserva legal e lançamento de efluentes no solo
Santana e Sítio do Mato/BA – A Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco paralisou, nesta segunda-feira (26), as atividades de colheita e o uso de trator em duas fazendas localizadas na zona rural de Santana e de Sítio do Mato, no oeste baiano, por irregularidades no meio ambiente de trabalho, entre elas a falta de proteção básica aos trabalhadores. Em um dos imóveis, que pertencem ao mesmo proprietário, um acidente com trator resultou na morte de um funcionário em 2016.

A ação da FPI foi comandada pela Equipe Rural 1, que contou com representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB), Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental (CIPPA); Conselho Regional dos Técnicos Industriais da Bahia (CRT-BA), Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA-BA), Conselho Federal dos Técnicos Industriais (CRT) e Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA).
Segundo o MPT, que expediu as recomendações de paralisação, a empresa poderá retomar as atividades de colheita e de uso do trator nos imóveis assim que comprovarem a regularização do meio ambiente do trabalho, nos termos da legislação trabalhista vigente. A vistoria realizada pela FPI do Rio São Francisco subsidiará os inquéritos civis públicos em curso na Procuradoria do Trabalho no Município de Barreiras, que abrange a área dos municípios visitados.
“A gente se deparou com um cenário em que, realmente, os funcionários trabalham sem equipamentos de proteção individual, sendo transportados de forma insegura em caçambas de caminhonetes. Há risco real de queda dos trabalhadores, porque o terreno da zona rural é bastante acidentado, com muitas pedras e buracos. Em uma das fazendas vistoriadas, o acidente de trabalho fatal envolveu justamente o transporte irregular de um trabalhador. Lamentavelmente, nós nos deparamos novamente com essa realidade no local”, disse o procurador do MPT, Ilan Fonseca, um dos coordenadores da FPI do Rio São Francisco.
Além das irregularidades trabalhistas, a FPI do Rio São Francisco também encontrou irregularidades na captação de água, manuseio de agrotóxicos, supressão vegetal em área de reserva legal e lançamento de resíduos sólidos e efluentes no solo, desaguando em área de drenagem.
Irregularidades trabalhistas
Na fazenda localizadas em Santana, agentes da Equipe Rural 1 flagraram trabalhadores da colheita de mamão abastecendo um caminhão de carga sem equipamentos de proteção individual básicos como luvas e cintas lombares. O deslocamento de caixas com a fruta ocorria com distância significativa entre um caminhão e uma plataforma móvel, aumentando os riscos de ocorrência de acidente de trabalho.

O trator que conduzia a plataforma móvel encontrava-se em condições precárias: lanternas danificadas, sem sinal sonoro de ré e carente de estrutura de proteção na cabine do operador do veículo. O funcionário que dirigia o veículo não tinha habilitação, nem capacitação para conduzi-lo. A própria legislação trabalhista prevê curso específico de treinamento para operar trator.
A poucos metros dali, um ambiente de descanso foi improvisado próximo ao local de plantio dos mamões. No intervalo intrajornada, os trabalhadores se deitavam em redes feitas a partir dos sacos de adubo amarrados às árvores. A vegetação também servia de dispensa para guardar talheres e condimentos do almoço.
Em um dos refeitórios onde os funcionários deveriam fazer as refeições, a FPI flagrou armazenamento inadequado de alimentos e falta de mesas e cadeiras suficientes para acomodar os 55 funcionários da fazenda.
O imóvel se caracteriza como latifúndio por ter mais de cinco mil hectares de extensão e 21 pivôs de irrigação para cultura não só de mamão, mas também de soja, milho, algodão e feno, além de pecuária leiteira. Mesmo assim, não foram encontradas instalações sanitárias fixas ou móveis nas frentes de trabalho.
Os funcionários precisavam fazer uso de vestes e roupas de cama próprios para trabalharem e descansarem nos alojamentos após a jornada, respectivamente.
Já na fazenda localizada em Sítio do Mato, que pertence ao mesmo proprietário, destacou-se o fato de o alojamento ficar muito próximo da área de aplicação de agrotóxico no cultivo de algodão e soja. Era possível sentir o cheiro do veneno ao lado dos dormitórios.
Paralisação das atividades
Diante do que encontrou na vistoria, o MPT recomendou para primeira fazenda a paralisação de toda e qualquer atividade laboral realizada na frente de trabalho da produção de mamão. Já na segunda, a orientação é pela paralisação da produção de algodão e soja. Em ambas, deve ser paralisada toda e qualquer atividade que demande a utilização de trator.

“Durante a paralisação decorrente da presente notificação recomendatória, os empregados deverão receber os salários como se estivessem em efetivo exercício. Somente poderão ser realizadas atividades nas fazendas se necessárias às correções das irregularidades”, consta na notificação entregue aos gestores responsáveis pelos imóveis.
O retorno das atividades ocorrerá com a comprovação da correção das irregularidades, que deverá ser apresentada por meio de documentação e fotografias da implementação das medidas de segurança.
Danos ambientais
Agentes da Equipe Rural 1 também fiscalizaram as condições de captação de água para drenagem, manuseio de agrotóxicos , supressão vegetal em área de reserva local e lançamento de resíduos sólidos e efluentes no solo.
Os representantes do CREA-BA notificaram os gestores da fazenda localizada em Santana a atualizarem a manutenção da tubulação de captação de água do Rio Corrente ou mesmo proceder com a troca dos equipamentos. Foram constatados vários vazamentos na estrutura, que acarretava no desperdício de água.
“A gente observou que se trata de uma propriedade que utiliza grande volume de água. Ela possui autorização para captar essa água do Rio Corrente. No entanto, ela não faz o monitoramento das invasões captadas, que é uma condicionante de uma outorga. Sem monitoramento, a gente não sabe se a propriedade está captando dentro do que foi outorgado ou o dobro, o triplo do que está permitido. Desse modo, ela está descumprindo um dos critérios para captação do recurso hídrico”, informou Valdenir Barbosa, coordenador da Equipe Rural 1, que lembra que o Rio Corrente é afluente do Rio São Francisco.
Manuseio de agrotóxicos
Já a ADAB flagrou o uso de agrotóxico para controle de praga na cultura de milho quando o produto tem como indicação a utilização nos cultivos de cana-de-açúcar, batata e soja.
A falta de cuidado com o manuseio do veneno ameaça não só os ciclos de reprodução da flora e da fauna locais, como também põe em risco a saúde pública.
Técnicos da ADAB também constataram irregularidades no armazenamento do veneno e encontraram um galão dele dentro da máquina de adubo para manuseio do fertilizante que vai para o campo. Foram expedidos autos de infração para as duas fazendas.
Supressão vegetal
A Equipe Rural 1 constatou que a reserva legal dentro da fazenda localizada em Santana está degradada. Parte de um dos pivôs de irrigação da propriedade está implantado no local protegido por lei. São 49 hectares de área suprimida e que hoje está sendo replantada. Um incêndio acidental também atingiu a reserva.

Segundo o coordenador da equipe, é de responsabilidade da propriedade a recuperação dessa área, seja por cercamento, seja por replantio de árvores.
“A reserva legal é prevista no Código Florestal Nacional e tem um papel importantíssimo para garantir a biodiversidade local. Cada imóvel rural tem por obrigação manter conservada, no mínimo, 20% da sua área em forma de reserva legal. Com isso, mantem-se a manutenção do fluxo genético das espécies de flora e fauna e também a dos processos ecológicos locais. O ideal seria que essas reservas legais fossem posicionadas de forma estratégica dentro de cada propriedade para propiciar o deslocamento de animais entre um e outro imóvel”, explica Valdenir Barbosa.
O agente da FPI do Rio São Francisco conta que o projeto MapBiomas Brasil facilita o monitoramento da supressão vegetal dos biomas brasileiros. A iniciativa faz uso de imagens de satélite desde 2019, fornecendo dados e informações diversas sobre o objeto de estudo, qualificando análises e, consequentemente, ações em defesa do meio ambiente.
Lançamento de efluentes no solo
O Inema expediu notificações para os gestores providenciarem o recolhimento dos resíduos sólidos e destinação adequadas dos efluentes decorrentes das atividades de uma oficina mecânica e postos de abastecimento da primeira fazenda. O objetivo é evitar vazamentos de óleo, lubrificante e combustível no solo, como já vem ocorrendo, numa região de drenagem.
Em relação à segunda fazenda, os servidores do Inema flagraram dois pontos de captação de água e irrigação, quando só havia outorga para um. O próprio mapa dos seis pivôs do imóvel de Sítio do Mato pregado na parede demonstrava a irregularidade, que foi confirmada posteriormente pelos gestores.
Haverá mais desdobramentos quando os agentes do INEMA voltarem da FPI.
A FPI do Rio São Francisco
Criada em 2002, a FPI do Rio São Francisco na Bahia é um programa coordenado pelo Ministério Público da Bahia (MP/BA), pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA-BA), pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
Multidisciplinar, a iniciativa tem como objetivos: melhorar a qualidade de vidas das comunidades da bacia e dos seus recursos hídricos; combater o desmatamento, a captação irregular de água, os impactos dos agrotóxicos, a extração irregular de minérios, o comércio ilegal de animais silvestres, a pesca predatória, além de atuar no gerenciamento de resíduos sólidos. Outra frente é a da preservação do patrimônio arquitetônico, cultural e imaterial da bacia.
Inicialmente realizada na Bahia, a FPI do São Francisco foi expandida para os estados de Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Minas Gerais. Em 2024, o programa foi o grande vencedor do Prêmio Innovare 2024 na categoria Ministério Público, a maior honraria concedida ao Sistema de Justiça brasileiro. Em 2020, a FPI do Rio São Francisco já havia sido premiado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) como o maior indutor de políticas públicas.
Composição da 51ª FPI da Bahia
Compõem a 51ª edição da FPI do Rio São Francisco na Bahia a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB); Agência Peixe Vivo (APV); Assessoria e Gestão em Estudos da Natureza, Desenvolvimento Humano e Agroecologia (AGENDHA); Agência Reguladora de Saneamento Básico do Estado da Bahia (AGERSA); Animallia Ong Ambiental; Agência Nacional de Mineração (ANM); Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF); Corpo de Bombeiros Militar (CBM-BA); Companhia de Engenharia Hídrica e de Saneamento da Bahia (CERB); Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental (CIPPA); Conselho Federal dos Técnicos Industriais (CFT); Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA-BA); Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Bahia (CRMV-BA); Conselho Regional de Química 7ª Região – Bahia (CRQ); Conselho Regional dos Técnicos Industriais da Bahia (CRT-BA); Diretoria de Vigilância Sanitária e Saúde Ambiental (DIVISA-SESAB); Fundação José Silveira (FJS); Fórum Baiano de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos e pela Agroecologia (FBCA); Fundação Nacional de Saúde (FUNASA-MS); Grupo de Defesa e Promoção Socioambiental (GERMEN); Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA); Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA); Instituto HORI; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN); Marinha do Brasil; Ministério da Saúde (MS); Ministério do Meio Ambiente (MMA); Ministério Público do Estado da Bahia (MP/BA); Ministério Público Federal (MPF); Ministério Público do Trabalho (MPT); Polícia Civil do Estado da Bahia (PC); Polícia Federal (PF); Polícia Militar do Estado da Bahia (PMBA); Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura (SEAGRI); Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia (SEFAZ); Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Governo do Estado da Bahia (SEPROMI); Secretaria da Saúde (SESAB); Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (Bahiater/SDR); Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento da Bahia (SIHS); Sindicato dos Técnicos Industriais de Nível Médio do Estado da Bahia (SINTEC-BA); Secretaria da Segurança Pública (SSP); Superintendência de Desenvolvimento Agrário – Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDA-SDR); Superintendência de Proteção e Defesa Civil (SUDEC); Universidade Estadual da Bahia – Departamento dos Povos Indígenas, Comunidades Tradicionais e Camponesas (UNEB/DCT/OPARÁ); Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).