FPI do Rio São Francisco combate desmatamento da Caatinga e produção ilegal de carvão vegetal

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Na primeira semana, agentes de fiscalização inviabilizaram 27 fornos de carvoaria e 217 m³ do produto carbonizado; área de supressão de mata nativa em pontos de interesse se aproxima de 600 hectares

Na zona rural de Riacho de Santana, a estrada de barro tem numa das margens a riqueza do bioma Caatinga e, na outra, o solo completamente exposto ao sol depois de a mata ser derrubada por ação humana. Por sobre o chão seco que ameaça a flora e a fauna da região, agentes da Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco eliminam três fornos de carvão vegetal ativos, cujo destino seria a comercialização ilegal do produto. Somente neste local, foram derrubados cerca de 600 hectares de vegetação nativa.

Ao longo da primeira semana da 51ª etapa da FPI do Rio São Francisco, servidores do Centro de Apoio às Promotorias de Meio Ambiente e Urbanismo do Ministério Público do Estado da Bahia (CEAMA/MPBA), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental (CIPPA) de Lençóis, que compõem as equipes Rural 3 e Rural 4 da FPI, inviabilizaram 27 fornos de carvão e 217 m³ do produto carbonizado. Todos os casos de carvoaria flagradas funcionavam clandestinamente.

“Nós usamos imagens de satélite para identificar as atividades de supressão vegetal mais recentes. Ao encontrarmos os focos de produção de carvão, nós os destruímos e procedemos com a as medidas legalmente cabíveis. A Caatinga tem sofrido demais com a produção de carvão, principalmente na região que abrange os municípios de Riacho de Santana e Carinhanha”, disse Victor Brasil, analista técnico do CEAMA/MPBA e coordenador da Rural 3.

A produção do carvão vegetal passa pela supressão de espécie nativas da região atrás de lenha da aroeira-do-sertão, jurema-preta, angico-branco e angico-vermelho. Com a derrubada da mata, há vários prejuízos. Os agentes da FPI do Rio São Francisco explicam que, ao afetar o ciclo natural da flora, os animais silvestres ficam sem lugar para se abrigarem. A região, que já sofre com a escassez de água, passa a lidar com mais estiagem, o que prejudica a sobrevivência da população local.

O agente ambiental federal do Ibama Welington Gomes descreve como os moradores são prejudicados pelo comércio clandestino de carvão, que, economicamente, só favorece quem detém maior poder aquisitivo: “Os grandes empreendedores aliciam os pequenos produtores para a produção de carvão. Os colonos até têm lucro imediato, mas, no conjunto, ficam com o prejuízo porque o solo entra em decadência por ficar descoberto sem a vegetação protegendo. Sobra a pastagem do gado então”.

Sanções por danos ambientais

Coordenador da equipe Rural 4, o agente ambiental federal do Ibama Augusto Brasil informa que os agentes públicos identificaram e responsabilizaram os proprietários dos imóveis onde foram encontradas dezenas de fornos de carvão, em razão da supressão ilegal da vegetação.

“Nosso objetivo aqui é justamente coibir essa atividade ilegal de destruição de vegetação nativa e produção de carvão. Em virtude do que encontramos nos pontos de interesse, embargamos a área e autuamos os responsáveis. Os envolvidos também estão obrigados a cessar toda e qualquer atividade na área desmatada que possa vir a impedir a regeneração da vegetação. Caso a equipe retorne a área embargada e constate a presença de gado ou qualquer sorte de cultura, todo o gado e plantação serão apreendidos”, disse o agente federal.

Na esfera administrativa, além da apreensão e destruição dos fornos e carvão ilegais, o Ibama autuou quatro envolvidos em aproximadamente R$ 1 milhão, na soma das multas. O órgão federal também embargarou as áreas degradadas para viabilizar a sua regeneração, conforme determina o Decreto Federal nº 6.514/2008.

A atuação do Ibama se baseia no artigo 52 do decreto federal, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente. O dispositivo legal prevê multa para quem desmatar, a corte raso, florestas ou demais formações nativas, fora da reserva legal, sem autorização da autoridade competente.

Sob a perspectiva de crime ambiental, quem fala é o policial militar Wilson Júnior, capitão da CIPPA Lençóis: “Nessa localidade, constatamos, ao menos, dois crimes ambientais. A supressão da vegetação nativa e a produção clandestina do carvão vegetal. Então, a princípio aí, duas tipificações contidas na lei de crimes ambientais. A pessoa que for flagrada nessas práticas deve ser presa em flagrante. Infelizmente, na oportunidade aqui, não localizamos os responsáveis, mas cuidamos da eliminação dos fornos para que tal crime não tenha perpetuação nesse ambiente”.

Ainda na esfera penal, o Ministério Público do Estado da Bahia deve oferecer denúncia pela prática dos crimes previstos na Lei Federal nº 9.605/1998.

Desertificação

A Caatinga é o tipo de flora caracterizada por ter suas plantas altamente adaptadas ao clima seco, possuindo estruturas que evitam a perda de água. A estrutura das espécies varia de acordo com o volume de chuvas, o tipo de solo, a rede hidrográfica e a ação humana.

Por se tratar de um bioma em uma região climática Semiárida, a Caatinga já apresenta uma fragilidade maior, e o seu desmatamento intensifica processos de aridificação e desertificação.

Isso porque deixa o solo exposto e susceptível a processos erosivos, redução de nutrientes e, a depender do uso dado ao solo após o desmatamento, pode ocorrer o processo de salinização, tornando essas áreas improdutivas e difíceis de recuperar.

Outro impacto negativo relacionado ao desmatamento e ao processo de desertificação é a redução de acúmulo de água no solo, que é um processo natural devido ao tipo de solo encontrado na Caatinga. Trata-se de solo considerado “jovem” e, por isso, com pouca profundidade. Essas características somadas a redução da vegetação reduzem ainda mais o processo de infiltração, impactando no ciclo hidrológico.

Mudanças climáticas

O desmatamento também está diretamente ligado aos impactos ambientais, sociais e econômicos do planeta. Com a supressão de vegetação, aumenta a quantidade de gases de efeito estufa, que absorvem e reemitem radiação infravermelha, contribuindo para o aquecimento global. Perde-se ainda a cobertura vegetal que produz oxigênio e estoca carbono.

Entre os 17 objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pelas Nações Unidas para o Brasil e o mundo, encontra-se o de “tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus impactos”. A FPI do Rio São Francisco pauta sua atuação nesse sentido.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de paz e de prosperidade. Estes são os objetivos para os quais as Nações Unidas estão contribuindo a fim de que possamos atingir a Agenda 2030 no Brasil.

A FPI do Rio São Francisco

Criada em 2002, a FPI do Rio São Francisco na Bahia é um programa coordenado pelo Ministério Público da Bahia (MP/BA), pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA-BA), pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).

Multidisciplinar, a iniciativa tem como objetivos: melhorar a qualidade de vidas das comunidades da bacia e dos seus recursos hídricos; combater o desmatamento, a captação irregular de água, os impactos dos agrotóxicos, a extração irregular de minérios, o comércio ilegal de animais silvestres, a pesca predatória, além de atuar no gerenciamento de resíduos sólidos. Outra frente é a da preservação do patrimônio arquitetônico, cultural e imaterial da bacia.

Inicialmente realizada na Bahia, a FPI do São Francisco foi expandida para os estados de Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Minas Gerais. Em 2024, o programa foi o grande vencedor do Prêmio Innovare 2024 na categoria Ministério Público, a maior honraria concedida ao Sistema de Justiça brasileiro. Em 2020, a FPI do Rio São Francisco já havia sido premiado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) como o maior indutor de políticas públicas.

Composição da 51ª FPI da Bahia

Compõem a 51ª edição da FPI do Rio São Francisco na Bahia a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB); Agência Peixe Vivo (APV); Assessoria e Gestão em Estudos da Natureza, Desenvolvimento Humano e Agroecologia (AGENDHA); Agência Reguladora de Saneamento Básico do Estado da Bahia (AGERSA); Animallia Ong Ambiental; Agência Nacional de Mineração (ANM); Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF); Corpo de Bombeiros Militar (CBM-BA); Companhia de Engenharia Hídrica e de Saneamento da Bahia (CERB); Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental (CIPPA); Conselho Federal dos Técnicos Industriais; Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA-BA); Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Bahia (CRMV-BA); Conselho Regional de Química 7ª Região – Bahia (CRQ); Conselho Regional dos Técnicos Industriais da Bahia (CRT-BA); Diretoria de Vigilância Sanitária e Saúde Ambiental (DIVISA-SESAB); Fundação José Silveira (FJS); Fórum Baiano de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos e pela Agroecologia (FBCA); Fundação Nacional de Saúde (FUNASA-MS); Grupo de Defesa e Promoção Socioambiental (GERMEN); Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA); Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA); Instituto HORI; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN); Marinha do Brasil; Ministério da Saúde (MS); Ministério do Meio Ambiente (MMA); Ministério Público do Estado da Bahia (MP/BA); Ministério Público Federal (MPF); Ministério Público do Trabalho (MPT); Polícia Civil do Estado da Bahia (PC); Polícia Federal (PF); Polícia Militar do Estado da Bahia (PMBA); Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura (SEAGRI); Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia (SEFAZ); Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Governo do Estado da Bahia (SEPROMI); Secretaria da Saúde (SESAB); Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (Bahiater/SDR); Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento da Bahia (SIHS); Sindicato dos Técnicos Industriais de Nível Médio do Estado da Bahia (SINTEC-BA); Secretaria da Segurança Pública (SSP); Superintendência de Desenvolvimento Agrário – Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDA-SDR); Superintendência de Proteção e Defesa Civil (SUDEC); Universidade Estadual da Bahia – Departamento dos Povos Indígenas, Comunidades Tradicionais e Camponesas (UNEB/DCT/OPARÁ); Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).