Chica, Negão e família chegam ao novo recinto no Boqueirão da Onça

Compartilhe

A viagem entre Petrolina e Campo Formoso durou oito horas, em comboio, velocidade baixa para preservar os animais. Já perto da chegada, uma intercorrência na van que transportava os bugios: o carro quebrou a 30 quilômetros do distrito de Lage nos Negros, onde fica a APA destino. Com o apoio de toda a equipe, a família bugio foi realocada nas caminhonetes do comboio e seguiu viagem.

A interrupção não causou qualquer prejuízo aos animais, afinal, essa mudança já seria feita, porque só carros com tração nas quatro rodas chegam ao local do novo recinto, que é de dificílimo acesso. O novo recinto, construído de modo sustentável, aproveitando também materiais da região, possui árvores, alimentação, todo o necessário para essa nova fase da vida de Chica e família.

As caixas foram acomodadas dentro do ambiente controlado e foram abertas para que, no tempo de cada um, os bugios saíssem pra explorar a casa nova. A matriarca foi a primeira a sair da caixa, o que condiz com sua personalidade firme e corajosa. Seguida do alfa Negão, aos poucos um a um deram vez a curiosidade e rapidamente estavam subindo nas árvores e explorando os detalhes do ambiente desconhecido.

A transferência foi concluída às 22:30h, com uns minutos de tensão por conta da caçula do bando que demorou a sair da caixa, mas, após avaliação médico-veterinária, ficou claro que era só uma questão comportamental, o medo natural do desconhecido e o estresse da viagem. Logo ela estava nas costas da irmã mais velha.

Ao final, deu tudo certo e eles passaram a noite bem. No dia seguinte, logo cedo, a equipe foi avaliar a família, que estava explorando o novo ambiente com muita curiosidade e um fato inusitado foi percebido: Chica e uma das filhas tiraram o colar com o rádio transmissor, deixando a equipe com uma baita dor de cabeça pra resolver.

“A danada da Chica e a filha conseguiram tirar o colar, agora estamos avaliando se e quando será viável recolocar com o mínimo de impacto possível, já que elas acabaram de passar todo este estresse da mudança, incluindo uma contenção. Além do que, Chica já é idosa e está com a gestação avançada, como vimos ontem na ultrassom, logo vem mais um machinho para ampliar a prole! Precisamos avaliar com calma o que faremos agora”, pontua Andreza Amaral, bióloga da Animallia e Coordenadora Geral do projeto.

Alguns imprevistos eram esperados, afinal, estamos lidando com animais silvestres, fortes e curiosos, com grande interação social e é sempre muito complexo esse tipo de operação. Sem contar a anatomia delas, que possuem uma cabeça mais delgada, o que facilita um pouco a retirada do colar. O acompanhamento segue com disposição de alimentação como era no Cemafauna Caatinga: às 07h e 17h durante 15 dias, incrementando com a vegetação local, presente na dieta da espécie. Após esse período de aclimatação, uma parte do recinto será aberta para exploração da família no local, que possui vasta vegetação, copas altas, muitas árvores com folhas que atendem ao paladar dos bugios.

Essa etapa permanece até que os primatas não procurem mais o recinto e sigam suas vidas com autonomia e independência. Enquanto isso, a equipe que torce pelo sucesso dessa soltura com a total reinserção no ambiente natural, também já sente a saudade depois de tantos anos de cuidado e convivência.

“Estou com eles desde que Chica chegou, vi cada filhote nascer, conheço a personalidade de cada um. Pra mim é uma honra ser escolhido para abrir as caixas desse novo universo que se abre pra eles, mesmo sabendo que vou sentir saudade. Eu e toda equipe do Cemafauna Caatinga estamos muito felizes, por que a gente trabalha pra isso, para ver o dia em que os animais que cuidamos estejam saudáveis e seguros no ambiente de origem deles” diz, emocionado, Edilson de Sousa Lima, tratador do Cemafauna Caatinga que cuidou da família bugio ao longo de 12 anos.

Participaram dessa operação de deslocamento até a soltura equipes da Animallia (com as biólogas Andreza, Celene, Luana e a veterinária Victoria); Cemafauna (com os veterinários Fábio e Fabrício, a estagiária Gabriela e o tratador Edilson); INEMA (com o veterinário Paulo e a bióloga Mariana); DIVEP (com a veterinária Luciana), a PRF (Gilian, Andrade), além da assessoria de comunicação da Animallia/CRT-BA/FPI e INEMA, representando os demais integrantes da equipe  transinstitucional descrita abaixo.

Coordenadores da Soltura:

Andreza do Amaral – Mestre em Biologia Animal; Bióloga; Diretora de Projetos Animallia ONG Ambiental e Coordenadora Geral do Projeto de Soltura;

MsC. Luiz Cezar Machado Pereira – Mestre em Engenharia Florestal, Coordenador do CEMAFAUNA-CAATINGA, Especialista em Ecologia, com ênfase em Manejo de Fauna Silvestre; 

Equipe Técnica:

Raone Beltrão Mendes, Biólogo, Doutor em Ciências Biológicas com ênfase em Zoologia pela UFPB;

Celene Sousa Carvalho, Bióloga, Mestre em Ecologia e Conservação da Biodiversidade pela UEMA, Fundadora do Grupo de Estudos Ambientais com Primatas do Maranhão (GRAMPRIMATAS);

Luana Beatriz da Silva Rocha, Bióloga,

Daniel Salgado Pifano, Doutor em Engenharia Florestal, Coordenador do Subprograma Flora do PCFF/ PISF (NEMA);

Uêdija Natalí Silva Dias, Bióloga, Analista Ambiental HRSN (NEMA-UNIVASF)

Liliane Ferreira Lima, Doutora em Botânica;

Samara Silva de Matos Aquino, Doutora em Sistemática e Evolução, Analista Ambiental (NEMA, UNIVASF);

Vanessa Silva Santana, Médica Veterinária e Mestre em Ciência Animal (Animallia Ambiental);

Alison Cleiton de Sá Andrade, graduando em biologia, Presidente da Animallia Ambiental.

Apoio:

Luciana Espinheira Khoury: Promotora de Justiça do MP-BA; 

Marcus Vinícius de França Moreira: Inspetor PRF;

Uequison Venicius de Oliveira Santos: PRF;

Claudia Bueno de Campos: Doutora em Ecologia Aplicada, Chefe do NGI ICMBio Juazeiro;

Vinícius Dantas: Coordenador de Gestão de Fauna, Médico Veterinário, (INEMA);

Marianna de Santana Pinho: graduada em Ciências Biológicas com Mestrado em Desenvolvimento Sustentável, Especialista em Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA),

Sandro Augusto Vieira da Silva: Presidente do CRT-BA

Sobre a FPI: Criada em 2002, a FPI do São Francisco na Bahia é um programa coordenado pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA-BA), pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).  

Multidisciplinar, a iniciativa tem como objetivo melhorar a qualidade de vida das comunidades da bacia e dos recursos hídricos; combater o desmatamento, a captação irregular de água, os impactos dos agrotóxicos, a extração irregular de minérios, o comércio ilegal de animais silvestres, a pesca predatória, além de atuar no gerenciamento de resíduos sólidos; além da preservação do patrimônio arquitetônico, cultural e imaterial da bacia.  

A FPI do São Francisco, que começou na Bahia e hoje é realizada também em Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Minas Gerais, foi premiada em 2020 pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) como o maior indutor de políticas públicas. Em dezembro de 2024, a FPI venceu o Prêmio Innovare, realizado pelo Instituto Innovare, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Advocacia Geral da União, além de associações jurídicas e conselhos de justiça do país, com apoio do Grupo Globo. A premiação foi realizada no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, quando a equipe da FPI recebeu o prêmio das mãos da Ministra Carmen Lucia.

Fotos da Materia: Ascom Animallia/Ascom INEMA