Equipes de Patrimônio Espeleológico e Arqueológico e de Patrimônio Histórico e Cultural analisam se medidas recomendadas pelo programa em 2018 foram atendidas pelo Município
Bom Jesus da Lapa/BA – “O Morro da Lapa, denominado pelos indígenas de Itaberaba – pedra formosa – aparece na planície circundante como um imenso navio fantasma (ca. 100 m de altura) encalhado à margem direita do São Francisco. O santuário encontra-se a meio caminho entre a nascente e a foz do São Francisco e a igual distância de Juazeiro a Pirapora, o grande trecho navegável do rio. A boca da Gruta do Sr. Bom Jesus, onde está localizado o santuário, está situado a 20 metros sobre o nível do rio e voltada para o poente. Em sua frente, foi criada, entre 1915/20, uma esplanada de celebrações, ampliada em 1946, onde estão as estátuas, em bronze, dos apóstolos: obra de Dioclesiano M. de Oliveira. À esquerda do altar campal, se eleva a torre (40 m) e à direita da boca da gruta se inicia a Via-Sacra, que termina no cume do morro”. Foi como o arquiteto Paulo Ormíndo de Azevedo e sua equipe descreveram o cartão-postal de Bom Jesus da Lapa, em 1992, no seu clássico Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia (IPAC-SIC).

Assim como para o pesquisador baiano ou qualquer pessoa que visita o santuário, o morro da Gruta do Bom Jesus da Lapa (Morro da Lapa) salta aos olhos dos agentes da Fiscalização Preventiva Integrada (FPI) da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco no retorno à cidade. A passagem mais recente pela região aconteceu em 2018 e foi marcada por olhares técnicos que se somam: o da ocorrência geológica da formação especial e o do patrimônio histórico, cultural e paisagístico do local.
“O Morro da Lapa, com seu conjunto de grutas cravado numa formação rochosa bastante específica, tornou-se um ponto de encontro para manifestações de fé diversas. Religiosos de todo o Brasil passam por aqui. O santuário é então um símbolo dos patrimônios material e imaterial da cultura local, com um valor único para a identidade da sociedade de Bom Jesus da Lapa, inclusive para os povos ribeirinhos do Velho Chico”, destacou a coordenadora-geral da FPI do Rio São Francisco, a promotora de Justiça Luciana Khoury, que também atua no
município.
Não à toa, a FPI do Rio São Francisco voltou a subir o morro na 51ª etapa do programa na Bahia com integrantes das equipes de Patrimônio Espeleológico e Arqueológico e de Patrimônio Histórico e Cultural. Os agentes do programa foram conferir o que mudou nos últimos sete anos e o que pode ser melhorado na preservação e conservação do Morro da Lapa, tanto em benefício do meio ambiente como da população que depende dele para ter emprego e renda.
As duas frentes contam com técnicos do Corpo de Bombeiros Militar da Bahia, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Instituto Hori e Ministério Público do Estado da Bahia (MP/BA).
Primeira caverna do Brasil
Coordenador da equipe Patrimônio Espeleológico e Arqueológico, o espeleólogo Admir Brunelli lembra que a Gruta de Bom Jesus detém o título de primeiro registro histórico que se tem de caverna no país. Ela foi descoberta em 1690. Atualmente abriga a igreja que leva o nome da cidade.
Sobre a formação rochosa do morro, Admir Brunelli explica que ela se trata de uma rocha sedimentar calcária, que foi soerguida por movimentos tectônicos. O espeleólogo nomeia de caneluras os sulcos verticais que se destacam na elevação. Nelas, por sua vez, formam-se os pináculos. A rocha foi trabalhada pela água que dissolveu o carbonato de cálcio da sua composição.

“Então você imagina milhões e milhões anos de chuva correndo por essa rocha, formando essas estrias. As várias grutas que abrigam os salões foram formadas debaixo da água. Por esse erguimento, abriram espaços vazios, porque a água conseguiu corroer o que tinha de mais frágil. Água mole, pedra dura, tanto bate até que vira caverna”, descreve o espeleólogo.
O coordenador da equipe de Patrimônio Espeleológico e Arqueológico comemorou os avanços que encontrou no Morro da Lapa após recomendações da passagem da FPI do Rio São Francisco na cidade em 2018. Entre elas, a assessoria de guias para facilitar o turismo no santuário.
“Pude constatar que houve sim um controle melhor da subida do morro, com guias acompanhando os turistas e intervalos de tempo entre um grupo e outro. Antigamente, subiam e desciam de qualquer jeito, inclusive por trilhas que eles achavam que poderiam dar acesso ao topo”, disse Admir Brunelli.
Para o espeleólogo ainda há espaço para mais avanços, principalmente em relação às instalações de eletricidade. “Continua me preocupando a questão das fiações elétricas, que seguem expostas. Conversei com os bombeiros da equipe. Eles vão cobrar novamente o plano de iluminação elétrica do santuário, plano de resgate de acidentes e o que mais entenderem necessário”, afirmou o profissional de cavernas, que lamentou a impossibilidade de recuperação da gruta, já degradada com a colocação de pisos, escadas e rampas.
Patrimônio paisagístico
Coube aos agentes da equipe de Patrimônio Histórico e Cultural realizarem o estudo técnico do da paisagem cultural do Morro da Lapa. O objetivo é analisar o impacto do turismo, comércio e serviços diversos na extensão do santuário e na área do seu entorno.
Tal como a Patrimônio Espeleológico e Arqueológico, essa frente que conta com arquitetos do Iphan e do MP/BA compara o antes e o depois das recomendações apresentadas ao poder público e à sociedade civil organizada de Bom Jesus da Lapa em 2018.
Entre as medidas que foram totalmente atendidas, encontram-se a colocação de placas sinalizadoras de acessos perigosos e bloqueio de áreas restritas. A adequação dos trechos de escadas irregulares e a instalação de corrimãos e guarda-corpos em todas as escadas e áreas de risco de acidentes ainda precisa de melhorias.
Também foram retiradas do topo do morro barracas de comerciantes. Em 2021, uma lei municipal tornou proibida a ocupação e comercialização de produtos no alto do santuário. Restou apenas um quiosque vazado de madeira e telhas cerâmicas, que se integra bem à paisagem, para descanso dos visitantes e contemplação da vista.
A recomendação de implantação do sistema de prevenção e combate a incêndio e pânico também foi parcialmente atendida. Sem a adequação da fiação elétrica, ficam comprometidas a estética da gruta e a segurança das pessoas que a visitam.
Resta ainda melhorar a estrutura de limpeza no trajeto da subida, que conta com lixeiras degradadas e resíduos sólidos espalhados pelo solo, bem como reduzir a poluição visual de peças publicitárias dispostas em praticamente todo o santuário.
Torre, antenas e urubus
Quando o guia turístico convida os visitantes a tirarem uma foto estendendo a mão rente ao horizonte, como se cobrissem a torre de telefonia paralela à elevação do Morro da Lapa, numa clara referência à italiana Torre de Pisa, a equipe Patrimônio Histórico e Cultural percebe que uma das principais recomendações foi deixada de lado ao longo desses sete anos.

No topo do morro, há também diversas antenas metálicas de emissoras de rádio e TV, com altura superior ao cume, que servem de viveiros de urubus. Nem as estruturas de telefonia, nem as de radiodifusão atendem aos interesses da coletividade de Bom Jesus da Lapa quando se trata do patrimônio paisagístico do santuário. Por essa razão, a FPI recomendou retirá-las em 2018.
“Ameaças à paisagem também causam prejuízos a manifestações culturais. Falamos de celebrações religiosas e de romarias. A ambiência da realização delas não engloba somente a visita às grutas na parte inferior do santuário. Também passa pela subida e descida do morro, como roteiro de pagadores de promessa, num exercício de profissão da fé”, explicou o arquiteto Diogo Vasconcellos, coordenador da equipe.
Privatização da paisagem
A torre e as antenas não são as únicas ameaças ao patrimônio paisagístico do Morro da Lapa. Ao lado dela, no centro histórico da cidade, crescem prédios que disputam a melhor vista da região, numa espécie de privatização da paisagem.
Em 2018, a FPI recomendou a elaboração de um mapa com a definição precisa de limites das áreas do centro histórico criadas pela Lei Municipal nº 331/2009. Há resistência na efetividade da legislação, que trata justamente da preservação da localidade.
Naquele ano, o programa também recomendou a análise das alturas e números de pavimentos atuais de todas as edificações inseridas no centro histórico, identificação de construções irregulares e maior atuação de fiscalização e cumprimento da lei Municipal.
O Ministério Público do Estado da Bahia apurou que a Prefeitura Municipal contratou em 2018 uma empresa que registrou a altura em metros de todas as casas do centro histórico. Com base no estudo, a instituição ministerial identificou todos os imóveis irregulares até. Será necessário atualizar a identificação deles em 2025.
Como o convencimento da população faz diferença, a FPI também sugere o desenvolvimento de atividades educativas e de conscientização sobre a preservação do centro histórico, conjunto paisagístico e patrimônio cultural do município.
Quem sabe assim não surgem novos professores populares que deem continuidade ao estudo de defesa do Morro da Lapa que Paulo Ormíndo de Azevedo iniciou no final do século passado.
A FPI do Rio São Francisco
Criada em 2002, a FPI do Rio São Francisco na Bahia é um programa coordenado pelo Ministério Público da Bahia (MP/BA), pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA-BA), pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).
Multidisciplinar, a iniciativa tem como objetivos: melhorar a qualidade de vidas das comunidades da bacia e dos seus recursos hídricos; combater o desmatamento, a captação irregular de água, os impactos dos agrotóxicos, a extração irregular de minérios, o comércio ilegal de animais silvestres, a pesca predatória, além de atuar no gerenciamento de resíduos sólidos. Outra frente é a da preservação do patrimônio arquitetônico, cultural e imaterial da bacia.
Inicialmente realizada na Bahia, a FPI do São Francisco foi expandida para os estados de Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Minas Gerais. Em 2024, o programa foi o grande vencedor do Prêmio Innovare 2024 na categoria Ministério Público, a maior honraria concedida ao Sistema de Justiça brasileiro. Em 2020, a FPI do Rio São Francisco já havia sido premiado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) como o maior indutor de políticas públicas.
Composição da 51ª FPI da Bahia
Compõem a 51ª edição da FPI do Rio São Francisco na Bahia a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (ADAB); Agência Peixe Vivo (APV); Assessoria e Gestão em Estudos da Natureza, Desenvolvimento Humano e Agroecologia (AGENDHA); Agência Reguladora de Saneamento Básico do Estado da Bahia (AGERSA); Animallia Ong Ambiental; Agência Nacional de Mineração (ANM); Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF); Corpo de Bombeiros Militar (CBM-BA); Companhia de Engenharia Hídrica e de Saneamento da Bahia (CERB); Companhia Independente de Polícia de Proteção Ambiental (CIPPA); Conselho Federal dos Técnicos Industriais; Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA-BA); Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Bahia (CRMV-BA); Conselho Regional de Química 7ª Região – Bahia (CRQ); Conselho Regional dos Técnicos Industriais da Bahia (CRT-BA); Diretoria de Vigilância Sanitária e Saúde Ambiental (DIVISA-SESAB); Fundação José Silveira (FJS); Fórum Baiano de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos e pela Agroecologia (FBCA); Fundação Nacional de Saúde (FUNASA-MS); Grupo de Defesa e Promoção Socioambiental (GERMEN); Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA); Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA); Instituto HORI; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN); Marinha do Brasil; Ministério da Saúde (MS); Ministério do Meio Ambiente (MMA); Ministério Público do Estado da Bahia (MP/BA); Ministério Público Federal (MPF); Ministério Público do Trabalho (MPT); Polícia Civil do Estado da Bahia (PC); Polícia Federal (PF); Polícia Militar do Estado da Bahia (PMBA); Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura (SEAGRI); Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia (SEFAZ); Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Governo do Estado da Bahia (SEPROMI); Secretaria da Saúde (SESAB); Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (Bahiater/SDR); Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento da Bahia (SIHS); Sindicato dos Técnicos Industriais de Nível Médio do Estado da Bahia (SINTEC-BA); Secretaria da Segurança Pública (SSP); Superintendência de Desenvolvimento Agrário – Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDA-SDR); Superintendência de Proteção e Defesa Civil (SUDEC); Universidade Estadual da Bahia – Departamento dos Povos Indígenas, Comunidades Tradicionais e Camponesas (UNEB/DCT/OPARÁ); Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).