Animallia Ambiental, CEMAFAUNA UNIVASF, INEMA, ICMBio, PRF, CRT/BA e MP/BA realizam a soltura de família de bugios na APA do Boqueirão da Onça

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Essa jornada, que começou com um bugio fêmea resgatado durante a vigésima edição da FPI em Juazeiro, inicia um novo ciclo, 12 anos depois, com a soltura de uma família de oito bugios, que cresceu e se desenvolveu em cativeiro. A matriarca, carinhosamente chamada de Chica, foi resgatada pela equipe FAUNA da FPI, lá em 2012, vítima de maus tratos e mantida num cativeiro em péssimas condições. Logo em seguida, um ano depois, um bugio macho, apelidado de Negão, também foi recebido no CETAS, muito debilitado, vítima de um ataque de cães enquanto fugia de uma queimada na cidade de Campo Formoso – BA.   

Ambos bugios foram unidos no CETAS – Centro de Triagem de Animais Silvestres, que faz parte do CEMAFAUNA em Petrolina-PE. Colocados juntos no mesmo recinto, o óbvio aconteceu e eles parearam, construindo uma linda família de treze filhotes, sendo oito fêmeas e cinco machos – com mais um no forninho. Mas a história de conto de fadas logo deu espaço ao instinto animal e a territorialidade, e tanto Negão quanto Chica, casal alfa, não aceitaram muito bem dividir espaço com outros bugios adultos, gerando grandes atritos que, infelizmente, culminaram na expulsão de quatro fêmeas e dois machos do bando – que hoje vivem em recintos individuais para evitar mais atritos. Das fêmeas, três morreram.   

A família continuou crescendo e hoje, às vésperas da soltura, são oito bugios (quatro machos e quatro fêmeas), entre adultos e filhotes, que retornarão ao seu ambiente natural. O bugio é uma espécie de primata que prefere grupos pequenos, com mais fêmeas que machos, prevalecendo a hierarquia. Ao sentir-se ameaçado, o alfa fica agressivo e as brigas são acirradas. Outra peculiaridade dos bugios é a habilidade de se camuflar e a dificuldade que o ser humano tem de avistá-los, dada a pouca movimentação. Como passam 70% do dia descansando, essa espécie é uma das mais difíceis de serem localizadas no habitat natural.

A ação de soltura segue um planejamento rigoroso, que visa, principalmente, a adaptação e o bem-estar dos animais. São muitos braços envolvidos – órgãos de proteção de diversas esferas de atuação que se unem para a preservação dessa espécie primata, que já foi categorizada como ‘Em Perigo’ de extinção pela SEMA – Secretaria de Meio Ambiente da Bahia.  Existe a suspeita, inclusive, de que haja uma redução de 30% da população de bugios em três gerações, diante da perda da biodiversidade que é casa desses animais.   

Para definir a área da soltura, uma série de requisitos precisa ser cumprido, entre eles, o ambiente precisa ser ideal para sobrevivência, com oferta de frutos da estação e folhas que possam compor a dieta do bugio; além de água e condições climáticas ideais para que espécie se adeque. A equipe elegeu o Parque Nacional do Boqueirão da Onça, que fica no município de Campo Formoso-BA e possui as condições necessárias para acomodar a família, com a possibilidade, inclusive, de interações com outros primatas da mesma espécie, já que é o local de origem de Negão e outros que já foram vistos por lá. A área possui nove mil quilômetros quadrados de caatinga preservada e é protegida por lei, tendo o acesso a seus recursos naturais limitado. 

Os animais serão testados para várias doenças, seguindo os protocolos do IBAMA e do INEMA, até que sejam transportados e colocados num recinto na APA (Área de Proteção Ambiental) destino, onde terão oferta de comida até que consigam se alimentar por conta própria – um processo que pode durar até um ano. Durante a soltura, os bugios continuam sendo monitorados de perto pela equipe técnica e, após a aclimatação, as portas do recinto serão abertas para que eles explorem e iniciem essa nova jornada na natureza, mas possam voltar quando quiserem, até que estejam totalmente adaptados ao novo ambiente.   

O período escolhido para soltura também é intencional: durante as chuvas na região, que compreendem sazonalmente de novembro a maio e a vegetação floresce com mais intensidade, facilitando a identificação dos frutos/folhas/tubérculos regionais e se atendem a dieta do grupo. Depois de totalmente soltos, alguns membros dessa grande família seguem sendo monitorados através de rádio transmissor, ao qual eles já foram devidamente adaptados antes da soltura.    

Durante todo esse processo, a participação da comunidade do entorno da APA destino é fundamental, afinal, eles que possibilitam uma melhor interação com o ambiente e a localização de bandos residentes da espécie. Por isso, dentro do projeto, estão previstos vários momentos com a comunidade para explicar como funciona a soltura, a importância da manutenção da espécie na natureza e, principalmente, uma aproximação cada vez maior entre pesquisa e comunidade. A população é parte essencial nessa rede de preservação, informando sobre possíveis avistamentos de bugios, bem como coibindo caça ou captura de animais silvestre para manutenção em cativeiro.   

Para a Andreza Amaral, que é Coordenadora Geral do projeto de soltura, “este é um momento singular e emocionante, quando um projeto pioneiro de soltura branda de Bugios-pretos na caatinga se concretiza. A conservação de espécies em seus ambientes naturais busca assegurar um ecossistema equilibrado para todas as formas de vida, onde cada um tem sua importância e seu papel na manutenção da qualidade ambiental e da vida em nosso planeta. A concretização deste projeto só tem sido possível com união e comprometimento de cada integrante da equipe; cada entusiasta da conservação da fauna silvestre em seu ambiente natural”, pontua, com muita emoção, a bióloga, mestre em biologia animal e diretora de projetos da Animallia Ambiental.   

A equipe toda vive uma expectativa muito grande por esse desfecho, afinal, acompanhou de perto essa trajetória que começou com uma bugio vítima de maus tratos, subnutrida e desenganada, e se transformou nessa matriarca forte, saudável, mãe de uma grande família. São muitos órgãos envolvidos nesse projeto, desde os que participaram da edição de resgate de Chica, lá em 2012, até a equipe que manteve os cuidados dessa família ao longo desses 12 anos e os preparou, com muita dedicação e responsabilidade para esse momento de reinserção na natureza. São eles:  

Coordenadores da Soltura:

Andreza do Amaral – Mestre em Biologia Animal; Bióloga; Diretora de Projetos Animallia ONG Ambiental e Coordenadora Geral do Projeto de Soltura;

MsC. Luiz Cezar Machado Pereira – Mestre em Engenharia Florestal, Coordenador do CEMAFAUNA-CAATINGA, Especialista em Ecologia, com ênfase em Manejo de Fauna Silvestre;  

Equipe Técnica:

Raone Beltrão Mendes, Biólogo, Doutor em Ciências Biológicas com ênfase em Zoologia pela UFPB;

Celene Sousa Carvalho, Bióloga, Mestre em Ecologia e Conservação da Biodiversidade pela UEMA, Fundadora do Grupo de Estudos Ambientais com Primatas do Maranhão (GRAMPRIMATAS);

Luana Beatriz da Silva Rocha, Bióloga, 

Daniel Salgado Pifano, Doutor em Engenharia Florestal, Coordenador do Subprograma Flora do PCFF/ PISF (NEMA);

Uêdija Natalí Silva Dias, Bióloga, Analista Ambiental HRSN (NEMA-UNIVASF)

Liliane Ferreira Lima, Doutora em Botânica; 

Samara Silva de Matos Aquino, Doutora em Sistemática e Evolução, Analista Ambiental (NEMA, UNIVASF); 

Vanessa Silva Santana, Médica Veterinária e Mestre em Ciência Animal (Animallia Ambiental);

Alison Cleiton de Sá Andrade, graduando em biologia, Presidente da Animallia Ambiental. 

Apoio:

Luciana Espinheira Khoury: Promotora de Justiça do MP-BA;  

Marcus Vinícius de França Moreira: Inspetor PRF;

Uequison Venicius de Oliveira Santos: PRF;

Claudia Bueno de Campos: Doutora em Ecologia Aplicada, Chefe do NGI ICMBio Juazeiro;

Vinícius Dantas: Coordenador de Gestão de Fauna, Médico Veterinário, (INEMA);

Marianna de Santana Pinho: graduada em Ciências Biológicas com Mestrado em Desenvolvimento Sustentável, Especialista em Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA), 

Sandro Augusto Vieira da Silva: Presidente do CRT-BA

Sobre a FPI:  Criada em 2002, a FPI do São Francisco na Bahia é um programa coordenado pelo Ministério Público da Bahia (MP-BA), pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA-BA), pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT).   

Multidisciplinar, a iniciativa tem como objetivo melhorar a qualidade de vida das comunidades da bacia e dos recursos hídricos; combater o desmatamento, a captação irregular de água, os impactos dos agrotóxicos, a extração irregular de minérios, o comércio ilegal de animais silvestres, a pesca predatória, além de atuar no gerenciamento de resíduos sólidos; além da preservação do patrimônio arquitetônico, cultural e imaterial da bacia.   

A FPI do São Francisco, que começou na Bahia e hoje é realizada também em Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Minas Gerais, foi premiada em 2020 pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) como o maior indutor de políticas públicas. Em dezembro de 2024, a FPI venceu o Prêmio Innovare, realizado pelo Instituto Innovare, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Advocacia Geral da União, além de associações jurídicas e conselhos de justiça do país, com apoio do Grupo Globo. A premiação foi realizada no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, quando a equipe da FPI recebeu o prêmio das mãos da Ministra Carmen Lucia.